MEMÓRIAROGÉRIO CÉZAR DE CERQUEIRA LEITE do Conselho Editorial institucional.

Sérgio Pereira da Silva Porto, há 20 anos, em 19 de junho de 1979, jogava futebol em um longínquo posto avançado da ciência, na Sibéria, quando teve um infarto, morrendo momentos depois, aos 56 anos. Mas não sem antes ter quebrado as canelas de dois ou três russos, segundo cientistas ocidentais presentes àquele malfadado simpósio.Porém a tragédia não surpreendeu, apesar da imensa vitalidade do cientista, que ainda é o físico brasileiro mais citado na literatura especializada. Sérgio era assim mesmo. Amava o risco, a aventura, física e intelectual. Jogava futebol -baixinho, desforrava com caneladas-, tênis e era bom enxadrista. Enfrentava caminhadas e velejava.

Quando o laser estava na infância, ele enfrentou aguerrida oposição para mostrar que essa inovação iria revolucionar a espectroscopia e a análise de materiais. Também foi pioneiro nas aplicações do laser na medicina. Pesquisava com obsessão, era fanático pelo Vasco e pelo Baltimore Orioles e se derretia com Beethoven e com feijoada. Era generoso com os amigos e principalmente com os estudantes.

Poucos viveram tão intensamente. As risadas de Sérgio eram famosas. Em Los Angeles, conta-se, interromperam o tráfego por medo de terremoto ao ouvirem a estrondosa gargalhada sua. É por isso, talvez, que nós, cientistas brasileiros, tenhamos tanta inveja que quase sempre nos esquecemos de sua imensa contribuição científica e de recordar condignamente seu desaparecimento prematuro.

A Wortex Máquinas também foi fruto de sua visão para um Brasil melhor.

Paolo De Filippis e Sérgio Porto se conheceram em New Jersey e o fascínio pela química e física fez deles grandes amigos. Até que Paolo o convida para apresentar seu projeto tecnológico de sopro para indústrias do setor plástico em Michigan e Sérgio sabendo da importância desses estudos e do grandioso trabalho o convence a voltar ao Brasil e colocar o projeto em prática. Paolo e Sérgio visando um Brasil melhor, eles aprimoram os estudos do projeto na UNICAMP ainda em sua fase inicial e em 1976 fundam a Wortex Máquinas que passou a produzir tecnologia de plástico que o país tanto precisava.

Biografia:

Sérgio Pereira da Silva Porto nasceu a 19 de janeiro de 1926, na cidade de Niterói, filho de Grimalda Valle da Silva Porto e Eginete Pereira da Silva Porto, pescadores que buscavam no mar recursos para formar Sérgio na Universidade Federal do Rio de Janeiro em Química no ano de 1947.

Logo a seguir Sérgio foi para os EUA terminar os seus estudos na Universidade Johns Hopkins (Baltimore), onde recebeu o título de Ph.D por seu trabalho sobre espectros de moléculas H2 e H2O em 1954. Interessado em Espectroscopia Raman, ainda é lembrado na Johns Hopkins por tentar adaptar o espectrógrafo de Litrow para espectroscopia Raman.

Após seu doutorado, voltou ao Brasil em 1954 para ser professor assistente e posteriormente associado junto ao Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), auxiliando na construção de instrumentos de eletroscopia para estudos com radiação infra vermelha, incluindo um instrumento com rede de alta resolução. Retornando aos Estados Unidos somente em 1960, para trabalhar como supervisor na Bell Laboratories, reconheceu o potencial do laser e como um instrumento para a espectroscopia Ramam, na qual ganhou notoriedade internacional pelo seu desenvolvimento de materiais para Laser sendo considerado pioneiro na utilização de radiação laser em medicina, em 1962. Essa descoberta, juntamente com o seu “insight” experimental levou a espectroscopia laser a uma nova era.

Em 1967, em sua segunda passagem pelos EUA, Sérgio aceitou o convite para ser professor de física e engenharia elétrica na University of Southern Califórnia, prosseguindo com sua pesquisa tornando-se uma das figuras mais renomadas nos campos de eletrônica quântica e espelhamento de luz. Contudo, mesmo fora do Brasil, Sérgio jamais se esqueceu de suas origens, auxiliando muitos estudantes talentosos da América Latina, principalmente do Brasil, o que fez os membros da University of Southern Califórnia criarem uma bolsa em seu nome.

Em 1972 aceitando convite do reitor Zeferino Vaz, veio para a UNICAMP lecionar no Instituto de Física “Gleb Wataghin” a disciplina física do estado sólido. Em 1973 lidera um grupo de pesquisadores com visitas a firmar o estudo de lasers e suas aplicações como um vigoroso campo de pesquisa.

Fundou em 1974 o Departamento de Eletrônica Quântica do Instituto de Física. da UNICAMP. Foi essencial para a universidade seu compromisso com a pesquisa e a educação de alta qualidade.

Indicado para a função de coordenador de grupo da universidade em 1976, assumiu vários outros postos de chefia, onde sempre contribuiu com idéias para atingir a excelência em educação e pesquisa. Também foi Coordenador Geral dos Institutos, até 1979.

Algumas das conquistas científicas pioneiras de Sérgio foram:

Experimental observation of Polaritons in Ionic Crystals;

Study of Oblique Phonons in Birefringent Crystals;

Light Scattering by Spin Waves (Magnons);

Raman Scattering by F-Centers;

Enhancement of Raman Cross-section due to Ressonant Absorption;

Observation of Anti-Symmetric Eletronic Raman Scattering;

Ramam Scattering from Metallic Surfaces;

Depolarization ratio and Cross-section of Gases;

Symmetry forbidden First-order Ramam Spectra in Disordered Solids;

Laser Isotope Separation;

Generalization of Lyddane-Sachs-Teller Relation for Ordered-Disordered Crystals;

Absence of Soft-mode in Ordered-Disordered Ferroelectrics.

Sérgio Porto faleceu durante o intervalo da 6ª Vavilov Conference on Coherent and non Líneas/optcs, na Sibéria Academic Town, na data de 21 junho de 1979. Contam alguns que durante a realização de uma partida de futebol, organizada por ele, entre os cientistas da então URSS contra os cientistas do resto do mundo, Porto teve uma parada cardíaca.

Sua perda foi sentida por toda comunidade científica e especialmente na UNICAMP onde todos sentem muito a falta desse personagem “alegre e brincalhão”, palavras do ex-reitor Plínio Alves de Moraes.

O físico César Lattes acentuou a grande capacidade que tinha o professor Sérgio de “atrair e encorajar gente, além de criar condições materiais de trabalho”. Mesmo Zeferino Vaz acrescentou que quando o chamou para lecionar na UNICAMP Sérgio participava da construção do laser que deixou a Apolo 12 na Lua.

Dono de inúmeras honrarias como membro da Academia Brasileira de Ciências e da American Physical Society. Fez parte da banca examinadora de concurso para docentes da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal Fluminense e de 22 bancas de doutoramento na University Southern California, Universidade Federal do Rio Grande Sul e UNICAMP. Orientou 16 teses de doutoramento e participou de mais de 80 seminários, apresentou um sem número de trabalhos e possui 133 publicações científicas.

Com o intuito de cobrir a falta de eventos e conseqüentemente atrair mais estudantes para ingressar no mundo da Óptica, foi fundada em abrangência internacional a Escola Sérgio Porto de Ótica Aplicada (ESPOA). Trata-se de uma iniciativa do “UNICAMP Student Chapter” da Optical Society of America (OSA). A Escola Sergio Porto de Óptica Aplicada é uma escola de óptica segmentada em cursos introdutórios e avançados dos mais diversos temas envolvendo a ótica, voltada para graduandos em fim de curso e pós graduandos. A escola aborda alguns dos temas que estão em maior destaque na comunidade científica nos últimos anos, como: Aprisionamento e resfriamento de Átomos com Laser, Espectroscopia, Informação Quântica e Cristais Fotônicos e Fibras de Cristais Fotônicos.

Sérgio figura hoje entre os 20 maiores cientistas brasileiros do século XX como “o pai do raio da morte”, todavia os milhares de pacientes que nesses últimos 40 anos fizeram cirurgias oculares, cardíacas e outras que prescindem de laser mostram que antes de ser o pai do raio da morte ele foi o pai do raio da vida.

Referências:

https://www.cle.unicamp.br/index.php/content/sérgio-pereira-da-silva-porto – Acessado em: 14/04/2020